Publicado em 18 julho,
2018 7:44 am
Reportagem de Bruna de
Lara no Intercept Brasil.
A esterilização
involuntária de Janaína Aparecida Quirino ainda não tinha ganhado os
noticiários quando, fazendo um levantamento inédito de dados do SUS sobre
laqueaduras, me ocorreu a suspeita: será que as mulheres estão sendo
esterilizadas à força? Eu havia acabado de descobrir que existem laqueaduras de
emergência e que em 2017, pela primeira vez, elas foram mais comuns do que as
eletivas. Comparando o primeiro trimestre deste ano com o de 2008, o número de
esterilizações urgentes duplicou. E ninguém sabe explicar por que isso está
acontecendo – nem o que, afinal, é uma laqueadura de urgência.
A laqueadura,
popularmente conhecida como “ligadura de trompas”, é uma cirurgia de
esterilização feminina – ou seja, um método anticoncepcional permanente,
destinado a mulheres que desejam nunca engravidar. Como a finalidade do
procedimento é evitar uma gestação, é muito estranho pensar em uma laqueadura
feita em caráter de urgência.
Falei com
pesquisadoras, médicas, funcionárias da SES, a Secretaria Estadual de Saúde do
Rio de Janeiro, e uma enfermeira. À primeira vista, a maioria estranhou o
termo. “Não existe laqueadura de urgência”, escreveu Sandra Garcia, doutora em
Demografia, uma frase que foi repetida pela enfermeira Edineia Lazzari, que
trabalha em uma clínica da família na Rocinha, favela do Rio. Há 20 anos
atuando no Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, Criança e
Adolescente da SES, a especialista em saúde pública Tizuko Shiraiwa também
afirmou desconhecer essa classificação para laqueaduras.
De forma vaga, o
Ministério da Saúde afirmou que, de fato, não são feitas laqueaduras de
urgência. Mas, às vezes, a cirurgia pode ser registrada no código de
atendimento urgente “por, provavelmente, ter-se identificado risco à saúde da
mulher em futura gestação”. Seria, portanto, uma forma de indicar que a
laqueadura foi feita por razões médicas, e não como método contraceptivo. Pelo
menos na teoria.
Para uma mulher
fazer uma laqueadura no Brasil, a Lei de Planejamento Familiar determina
desde 1997 que ela tenha mais de 25 anos ou pelo menos dois filhos
vivos. Quem é casada precisa ainda da autorização do marido. Uma hipótese
para o mistério das laqueaduras urgentes é que elas sejam uma versão de um
clichê brasileiro: o jeitinho. Sem acesso ao método contraceptivo que desejam
por não atenderem a requisitos pensados há mais de 20 anos, é possível que as
mulheres, em acordo com os médicos, tenham encontrado uma brecha no sistema. “A
urgência pode ser uma estratégia para elas conseguirem a laqueadura sem atender
esses critérios. Por exemplo, sem pedir permissão ao marido”, arriscou Carmen Lucia
Luiz, coordenadora da Comissão Interdisciplinar de Saúde da Mulher do Conselho
Nacional de Saúde.
É apenas um
palpite. Porém, outras pessoas da área, como a enfermeira Edineia, igualmente
surpresas com os dados, também apostam nele. Embora a laqueadura tenha sido
legalizada com a lei de 1997, ainda são poucos os serviços que podem fazer o
procedimento. Como essa é uma cirurgia “mutilatória, de difícil reversão”,
segundo Carmen, as mulheres precisam passar por 60 dias de aconselhamento,
recebendo informações sobre outros métodos contraceptivos.
(…)
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